28/10/2025

STF julga restrições à distribuição de lucro por inadimplente


Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, no Plenário Virtual, julgamento
que discute se empresas com dívidas tributárias com a União, sem garantia,
podem pagar bonificação a acionistas ou distribuir participação nos lucros a
sócios, cotistas e diretores. Após voto do ministro Flávio Dino, contrário às
companhias, porém, a sessão foi suspensa por novo pedido de vista.
Na ação proposta no ano de 2014, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
pede que seja declarada a inconstitucionalidade de dispositivos de lei que
impõem que as pessoas jurídicas com débito não garantido com a União e suas
autarquias de previdência e assistência social, por falta de recolhimento de
tributos, não poderão distribuir bonificações a acionistas, nem dar ou atribuir
participação nos lucros a sócios ou cotistas, diretores e demais membros de
órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos.
Em caso de desobediência do contribuinte, há ainda a previsão de multa
equivalente a 50% do valor distribuído aos acionistas, tanto para as empresas
quanto aos diretores que tenham recebido a remuneração. Essa multa fica
limitada a 50% do valor total da dívida com a União.
No processo, são questionados o artigo 32 da Lei nº 4.357, de 1964, com a
redação dada pelo artigo 17 da Lei nº 11.051, de 2004 e do artigo 52 da Lei nº
8.212, de 1991, com a redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009.
Segundo a OAB, a norma infringe princípios constitucionais como o da livre
iniciativa e do devido processo legal. Além disso, para a entidade, a legislação
“nada mais faz do que utilizar a sanção política como forma de exigir o
pagamento do tributo”, desrespeitando o princípio da proporcionalidade por
ser desnecessária.
No início do mês de agosto, quando o julgamento virtual começou, o ministro
Luís Roberto Barroso, relator do processo, concordou em parte com os
argumentos apresentados pela entidade. Ele lembrou que a jurisprudência do
STF já considera inconstitucionais as chamadas “sanções políticas” - medidas
coercitivas indiretas adotadas pela Fazenda Pública para forçar o pagamento de
tributos.
As medidas consideradas inconstitucionais pelo ministro são a interdição de
estabelecimento, a apreensão de mercadoria e o veto ao despacho de produtos
em alfândegas (Súmulas 70, 323 e 547, respectivamente).
Conforme Barroso, a proibição de distribuição de lucros e dividendos tem por
objetivo evitar a dilapidação de patrimônio para fraudar o Fisco. Esse fim,
segundo o relator, é “constitucionalmente legítimo”, mas as regras são
“desnecessárias ou excessivas”.
Assim, ele votou para dar interpretação conforme a Constituição aos
dispositivos. Também entendeu que a pena de multa na eventualidade de
distribuição de lucros e dividendos por parte de empresas em débito com o
Fisco só se aplica “na hipótese de não terem sido reservados, pelo devedor,
bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita”.
Na ocasião, o julgamento foi suspenso por pedido de vista de Flávio Dino.
Agora, ao votar, o ministro divergiu do relator para entender que o pedido da
OAB é totalmente improcedente. Isso porque os dispositivos questionados são
constitucionais. Segundo Dino, a sanção prevista pela lei não tem natureza
política, “precisamente porque uma vez garantido o débito, ação que não se
confunde com o pagamento, afasta-se a possibilidade de aplicação da multa”.
Além disso, prossegue o ministro, a previsão está vigente no ordenamento
jurídico brasileiro há duas décadas, o que joga por terra o argumento de que a
punição poderia “inviabilizar o exercício da atividade econômica de
determinada pessoa jurídica”. O ministro Alexandre de Moraes, contudo, pediu
vista para analisar melhor o processo.
Segundo o advogado Arthur Neri, do escritório Bento Muniz Advocacia, o voto
de Barroso propõe um “meio-termo prudente” ao reconhecer a
constitucionalidade parcial da vedação. Se prevalecer o entendimento,
acrescenta, o STF vai sinalizar que não se pode punir automaticamente o
devedor, mas apenas aquele que, de fato, coloca em risco a satisfação do crédito
público.
“Em outras palavras, não se pode equiparar quem frauda o Fisco a quem tenta
se reerguer em meio a restrições de caixa”, afirma o especialista.
Eduardo Diamantino, sócio do escritório Diamantino Advogados Associados,
entende que ser considerado devedor da União, por decisão unilateral do
próprio governo, não deveria justificar o veto à distribuição de dividendos.
Segundo o tributarista, o voto de Barroso reconhece a autonomia das empresas.
“Os débitos tributários são inscritos sem o controle prévio de legalidade. A
prova disso é a enorme quantidade de embargos à execução fiscal no país”, diz.
“Ele [Barroso] propõe algo razoável: se houver patrimônio, não é necessária a
certidão negativa de débitos para se fazer a distribuição de dividendos. Se não
tiver patrimônio, vale o que está na lei”, conclui o advogado.
O voto de Flávio Dino, por outro lado, tem interpretação restritiva e aplica a
norma irrestritamente, afirma Neri, sem considerar as particularidades da
economia brasileira, “em que muitas empresas deixam de recolher tributos não
por má-fé, mas por necessidade conjuntural”. Para o especialista, embora a
corrente de Dino seja coerente do ponto de vista da forma, ela reforça uma
lógica de “sancionar primeiro para depois remediar”.
Para Diamantino, o voto do ministro Flávio Dino “engessa a atividade
empresarial e pressupõe que o ato de inscrição na dívida dá uma certeza grande
ao débito”. De acordo com o advogado, no entanto, essa certeza só existe
“depois do trânsito em julgado do processo em que esse débito será discutido”.
A respeito do fato gerador da multa prevista na legislação, na Nota Técnica nº
de 2006 da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), a Receita Federal afirma
que a aplicação da penalidade não depende da constituição do crédito tributário
por meio do lançamento e da notificação do devedor. Posteriormente, no
entanto, a Solução de Consulta Cosit nº 570, de 2017, esclareceu que a regular
constituição do crédito, na verdade, seria “a instância justificadora de limitações
à distribuição de bônus e de demais valores”.